domingo, 23 de março de 2014

Uma Nova Ação Pastoral: Aos Pastores do Haiti


 Pierre Dieucel
Este presente artigo pretende ser uma tentativa de reflexão sobre o Haiti. Não quer ser uma crítica, mas um olhar de fé sobre a situação do país e, ao mesmo tempo, propor um caminho, à luz do evangelho, que poderia contribuir para uma nova perspectiva pastoral.
Inicialmente, irei mostrar, a meu ver, em que consiste o verdadeiro problema do Haiti do qual decorrem outros diversos problemas existentes. Depois de levantar o problema e estar ciente da situação, serão notados, como necessidade, o desenvolvimento e a implementação de um plano de ação. Daí uma necessidade pastoral.
Finalmente, a nossa reflexão será encerrada com uma sugestão ou proposta pastoral que possa contribuir na transformação da realidade.

O que essa reflexão não pretende: Em nossa reflexão, não temos a intenção de misturar religião e política senão mostrar de que se trata do problema do Haiti e sentir a necessidade de uma conscientização.

1-    Realidades e Desafios
Problema todo mundo tem
Quem não tem?
Cada país tem seus próprios problemas
Quem não tem?
Atuamos de forma positiva sobre a sociedade na medida em que somos capazes de desenvolver projetos que a transformam com o desejo de mudar a realidade em que vivemos. Nesse contexto, a experiência de nossa fé cristã não pode deixar de levar a uma preocupação constante para a construção de um mundo mais humano. Sendo assim, somos chamados a dar, à luz do Evangelho, uma contribuição para a humanização da sociedade com a mensagem do Evangelho como uma força libertadora que leva à conversão do coração e da mentalidade.

Um diagnóstico: O diagnóstico da situação do Haiti se agrava tanto no campo econômico, no politico e quanto no social. O país aprofunda cada vez mais numa dependência nesses campos. No campo político, há uma grande divisão de classes, o problema de partidários políticos, uma oposição que não abre mão de negociação, etc. Ainda nesse campo, há uma ocupação de tropas de várias nações chefiada pelo Brasil (isso me faz lembrar uma frase do hino: Du sol soyons seuls maîtres).  Assim, os quatro cantos e os espaços do país: a terra, o mar e o céu todos ocupados militarmente. Enquanto isso, o povo permanece ou continua nas suas misérias e se vê cada vez mais explorado.
Como falar dessa forma de Soberania Haitiana? Acho que a nossa soberania e os nossos direitos estão seriamente feridos.

Um olhar pós-democrático: Após a implantação da democracia no Haiti, o país enfrenta uma instabilidade política e várias crises que afetam negativamente o seu desenvolvimento sociopolítico e econômico. Quando uma crise parece estar resolvida, outros surgem. Neste contexto, a Comunidade Internacional se vê num vai e vem, na tentativa de colaborar para resolver essas crises. Por causa de tudo isso e de outros fatores não mencionados aqui, eu costumava dizer: o problema fundamental do Haiti não é nada mais do que um problema sociopolítico de onde vieram os outros problemas existentes no país, agravado pelo terremoto de 2010. Tomando conta da evolução desse contexto sociopolítico e suas consequências, mais uma vez, penso que: o problema do Haiti, antes de ser internacional, é haitiano. Por trás desse contexto, tem ainda uma corrupção generalizada e preocupante. Enquanto uns nadam para sobreviver, outros se afundam em sofrimentos e preocupações; e outros vivem na riqueza. A desigualdade social é o outro problema muito grave.

Uma campanha midiática: Para agravar ainda mais a situação, a mídia internacional insiste no uso e divulgação, de má fé, algumas imagens do país, levando os telespectadores e ouvintes em erro e forçando-os a acreditar que o Haiti é apenas um país da pobreza. Isso é absolutamente falso e desonesto. Eles mostram uma face do país e escondem a outra. Em outras palavras, eles mostram a pobreza e escondem a riqueza. Sendo assim, todo mundo acaba acreditando nessa falsa imagem produzida e apresentada.

Os verdadeiros responsáveis da situação: Essa situação de instabilidade em que o país se encontra, os políticos haitianos, a grande maioria, são os principais culpados. Além destes, existem outros grupos impedindo o crescimento do país, devido aos seus interesses particulares. Essa instabilidade gera a pobreza, a insegurança, a criminalidade, o desemprego, o medo etc. Com isso, há mais tentação de deixar o país para ir para outro lugar.
Por outro lado, o país está privado de sua autonomia política e econômica. Assim, as grandes decisões finais sempre vêm de fora, impostas e condicionadas. Há sempre justificativas ideológicas.
Apesar dos problemas, de desespero e das dificuldades, existe esperança e vontade.

A IGREJA
Recordando a viagem do Papa João Paulo II, fez ao Haiti, ele se expressou nesta significativa frase: "É preciso que algo aqui mude" (falando do Haiti). O país viveu momentos dolorosos, que a Igreja segue com atenção: divisões, injustiças, miséria, desemprego, elementos que são fonte de preocupações profundas para o povo.

A pastoral da Igreja no Haiti:
Antes de tudo, a Pastoral da Igreja consiste em continuar a ação de Jesus Cristo. Significa um olhar especial da Igreja em relação às respostas que o mundo está necessitando, segundo os princípios do Evangelho.
Pois bem, comparando a pastoral da Igreja do Haiti nos anos 80, pouco antes da queda da ditadura militar, com a de hoje, pode-se ver uma diferença muito grande. Há uma carência (insuficiência ou falta) na pastoral de hoje, ou ainda, uma descontinuidade. Descontinuidade no sentido de não prosseguir com a mesma visão ou linha pastoral que buscava o bem comum para todos numa ação solidária em várias comunidades organizadas. Essa descontinuidade não é uma ruptura senão uma falta de continuidade, conforme explicado acima.
Esses anos foram marcados por uma intensa preocupação social, luta pela justiça, luta pela libertação, etc. Sendo assim, houve um grande compromisso cristão, inspirado na Teologia da Libertação, que buscava defender a mesma causa para uma sociedade haitiana mais digna e livre. As várias comunidades cristãs se reuniram para compartilhar a Palavra de Deus, como se fazia em todos os países da América Latina, inclusive os países do Caribe, conhecido sobre o nome: Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
De fato, olhando ontem e hoje, sente-se que há uma falta de continuidade de um projeto pastoral centralizado na urgência de pôr em prática uma evangelização libertadora.
Como pode o pobre viver em paz se ele não tem direitos de acesso e uma adequada qualidade de vida?
Como ele pode viver feliz se seus governantes são guiados pelo desejo de lucro e pela sede de poder buscando seus próprios interesses?
Como ele pode viver em paz se o bem comum não está em seu serviço, se não de uma minoria?

2-    A NECESSIDADE
Diante dos diversos problemas que afundam a vida do povo, torna-se necessário descobrir os caminhos e colaborar nas soluções. Para isso, é preciso uma responsabilidade comum.
Três décadas de instabilidade política (de democracia), após a queda da ditadura militar no Haiti. Piorou ou melhorou a situação?
Essa situação responde a uma necessidade urgente para refletirmos e nos interrogarmos: O que se tem feito, o que se deveria ser feito e não é feito? Como cristãos (batizados e seguidores de Cristo), a situação nos exige uma resposta concreta. Não podemos ficar de braços cruzados diante dos problemas esperando que aconteçam milagres. Somos Sal da terra e Luz do mundo (Mt 5, 13-14).

O que fazer agora?
A Igreja do Haiti deve se mover um pouco mais, criando uma nova perspectiva pastoral, uma nova visão da realidade, uma nova estratégia, uma nova metodologia, etc.
Uma nova perspectiva pastoral torna-se o elemento-chave para realizar uma pastoral mais eficaz que seja capaz de enfrentar a situação atual do país e que possa levar a um processo de conscientização. Sendo assim, cabe à Igreja do Haiti uma nova ação pastoral com a participação de todo o povo de Deus em busca de libertação.
Uma pastoral que se torna mais exigente, mais eficiente e prática com o apoio de nossos pastores. Neste caso, a Igreja no Haiti deve desempenhar um papel mais ativo como protagonista da história, na construção de uma sociedade melhor, onde ela deve ser uma testemunha mais viva e eficaz.

3-    SUGESTÃO
Como cristãos, temos a responsabilidade de continuar a missão que Jesus Cristo deu aos seus apóstolos: viver e praticar a sua Palavra. Para este fim, como exemplo, no Brasil acontece todos os anos, a Campanha da Fraternidade, que tem como objetivo promover o debate público sobre questões graves que afetam o país e os seus cidadãos. Então, olhando para a realidade haitiana, questiona-se uma pastoral semelhante. Ou seja, uma Campanha da Fraternidade, como uma nova perspectiva pastoral transformadora, levando em consideração a releitura de alguns documentos do CELAM, como Medellín e Puebla, sob o impulso renovador do espírito do Concílio Vaticano II.
A Campanha da Fraternidade é uma expressão própria da atividade da Igreja do Brasil desde 1964. Nascida com o Concílio Vaticano II foi convocado pelo Papa João XXIII, para despertar a consciência dos cristãos sobre a necessidade de uma presença transformadora da Igreja na sociedade. Os Bispos brasileiros perceberam a necessidade de uma ação mais concreta, propuseram, desde então, cada ano, um tema de reflexão que termina com um gesto concreto de fraternidade. O tema é escolhido a partir da identificação de situações em que a vida está ferida. A escolha dos temas é feita pelo CNBB: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. É uma maneira de evangelizar, levando a palavra de Deus no coração de todos os homens e mulheres para melhor Construir o Reino de Deus em uma fraternidade.

Por que não uma campanha semelhante no Haiti ou a mesma?
Acho tal campanha seria um processo pastoral de conscientização como uma nova evangelização com o objetivo de despertar o espírito comunitário e cristão na sociedade; de acordar a consciência do povo sobre a necessidade de uma presença transformadora. Os temas poderiam ser escolhidos a partir da identificação de situações em que a vida está ferida. Ou temas que abordam ainda a realidade social do povo haitiano.
Essa nova ação evangelizadora, com ações concretas, com certeza trairia elementos positivos em todos os aspectos da vida. Em outras palavras, um ato pastoral que mobiliza os cristãos, que exige a participação ativa no trabalho de transformação da sociedade e que permite enfim, assumir as nossas responsabilidades de uns para com os outros. A pregação de Cristo é para a salvação do mundo e para a construção de uma nova sociedade. Para a Igreja, a mensagem social do Evangelho não deve ser considerada uma teoria, mas sim um fundamento e uma motivação para a ação (Annus centésimo, 57).

CONCLUSÃO
Acredito que o compromisso de cada comunidade cristã considerando a Palavra de Deus (o exemplo da atuação de Jesus), as diretrizes pastorais, o retorno aos documentos de Medellín e Puebla; e o pastor da Comunidade como guia. Estes são enfim o caminho traçado para lutar por uma sociedade melhor, pois está escrito na nossa bandeira: liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Possuímos ainda as palavras: liberdade e libertação. Portanto, é importante revisitarmos o passado. Isso nos ajudaria primeiro a um processo de conscientização histórica. Esta nos ajudaria a ver realmente que devemos nos libertar, libertar tudo o que nos impede de construir o nosso país e, finalmente, libertar o país.
A verdadeira mudança está no nível profundo de mentalidades e corações, mas não seria nada se ela não produz resultados visíveis.
Acho que somos, portanto, confrontados com esse desafio pastoral, tanto urbano como rural.
Que essa sugestão seja uma contribuição pastoral à Igreja do Haiti.
http://dieucelpierre.blogspot.com.br/2014/03/sugestao-para-uma-campanha-da.html?spref=fb

Pierre Dieucel

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